NOÇÕES BÁSICAS SOBRE A PRESCRIÇÃO E A CADUCIDADE
Escrito por: Onésimo Amarildo Afonso Victor,
O Direito não socorre aos que dormem ´´ - Então, dormiu?
Esqueceu-se do prazo? Não está atento? Meus pêsames... o direito não te vai
socorrer –.
O presente artigo é de importante
elucidação académica e profissional, visto que a maioria dos estudantes (até
mesmo profissionais do fórum) quando se deparam com o assusto encontram
dificuldades em apreendê-lo. O primeiro contacto é de estranhamento, e sempre
repleto de muitas dúvidas, sendo importante ao Direito e ao respectivo curso
por ser o tema rico de complexidade. Assim, não assumimos em eliminar todas as
tuas inquietações, mas estamos convencidos de que contribuiremos para compreensão
duma noção básica sobre os institutos em questão. Por esta razão seremos mais
simples e exemplificativos durante a nossa abordagem. De seguida, vamos tecer algumas considerações da relação entre o Direito e o Tempo.
O DIREITO E O TEMPO
``uma sociedade deve
ser capaz de história´´ escrito por HEGEL
``sem duração, não há
sociedade que possa ser consistente´´
dizia DURKHEIM (VIGNOLI,
pg. 01-02)
O tempo é marcado com
o surgimento e o desaparecimento do sol. Facto que há anos preocupou o homem a
analisa-lo racionalmente estabelecendo: dia e noite, depois organizou em
semanas, meses e anos – numeração que vigora actualmente – .
Durante a convivência
com os outros homens decidem criar o Direito. Este por sua vez incumbe ordenar
aquela convivência, regular os interesses e estabelecendo proibições através de
normas jurídicas a fim de garantir a Paz e Justiça Social.
O tempo, nas relações
humanas ordenadas pelo Direito, tornou-se o pano de fundo para a existência de
direitos bem como a extinção dos mesmos. Assim, o homem (em vestes de
legislador) ao criar direito e obrigações optou por conceder ao seu titular um prazo de modo que estes fossem reivindicados ou exercidos, sob
pena da inaplicabilidade dos mesmos. O legislador quis repudiar o direito
perpétuo, não obstante dos direitos imprescritíveis – adiante analisaremos –.
O interesse social
representado pelo legislador é vedar a norma jurídica com certeza e segurança
jurídica (espinha dorçal de um Estado de Direito), não protegendo quem por
negligência ou desprezo não pratique o direito. Assim, a Prescrição e a
Decadência são institutos responsáveis pela destituição de um direito.
CAPÍTULO 1 PRESCRIÇÃO
Prescrição vem do latim prae scriptio – pré-escrito (aquilo que
foi escrito para ser realizado).
Prescrição: é a perda da pretensão para reparar um direito
subjectivo violado em virtude da inércia (descuido ou negligência) de seu
titular por deixar decorrer e exaurir os prazos previsto em lei. Quando nos
referimos em pretensão: é o poder de
exigir de outrem coercivamente o cumprimento de um determinado dever jurídico.
Ou seja, é o que você pretende em juízo. No sentido de exigir de outrem uma
obrigação de dar, receber, fazer e de não fazer para que seu direito seja
reparado.
A prescrição ocorre quando o
titular dorme e não exerce seu direito em tempo hábil deixando exaurir o prazo
previsto em lei, chegando assim na prescrição.
Exemplo prático:
Imaginemos que A,
inquilino, não paga a renda desde 2003 até 2018 ao senhório, B. Este não tomou qualquer iniciativa para
receber o pagamento das rendas. Poderá o senhório cobrar as rendas ao
inquilino?
- Não, pois perdeu o direito exigir (pretensão) ao inquilino o cumprimento da obrigação por ter deixado
decorrer o prazo de cinco anos, previsto no artigo 310º Código.Civil.
Como vimos que ele perderá o
direito de pretensão e não o direito de
acção (propor acção ao tribunal) . Com certeza todos podem entrar com a acção
quando quiser sobre o que quiser, todavia, não se sabe se de facto conseguirá alcançar
suas pretensões.
O indivíduo, quando se sentir lesado em seu direito, terá
no Ordenamento Jurídico a possibilidade de requerer a reparação do mal sofrido
por meio de uma acção judicial. Mas as pessoas devem estar atentas porque essa
possibilidade não estará à disposição do seu titular por tempo indeterminado
devido à regra jurídica da prescrição.
A prescrição reprime o descuido
ou negligência do titular do direito e incentiva-o a tomar providências que
possibilitem o exercício do seu direito em um período de tempo razoável.
1.1 Conceito legal:
Nos
termos do nº 1 do artigo 298º do Código Civil (C.C.), descreve que « Estão
sujeitas a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo
estabelecido na lei, os direitos que não sejam disponíveis ou que a lei não
declare isentos de prescrição».
A última parte do referido artigo diz ``os direitos que não sejam disponíveis´´ refere-se aos direitos indisponíveis - as acções imprescritíveis -.
OBS: A prescritibilidade é a
regra; a imprescritibilidade é a excepção.
São imprescritíveis as pretensões que versam sobre:
a) Os direitos
da personalidade, como à vida, a honra, o nome, a liberdade, a intimidade, a
própria imagem, as obras literárias, artísticas ou científicas etc.;
b) O estado da
pessoa, como filiação, condição conjugal, cidadania, salvo os direitos
patrimoniais dele decorrentes, como o reconhecimento da filiação para herança;
c) O direito de
família no que concerne à questão inerente ao direito à pensão alimentícia, à
vida conjugal, ao regime de bens; e entre outros, etc...
1.2 REQUISITOS
ESSENSIAIS
(1) Existência de uma pretensão, que possa ser em juízo alegada por meio de uma
acção exercitável, que é seu objecto, em virtude da violação que sofreu em seu
direito, que ela tem por fim remover.
(2) Inércia do titular da acção (em sentido material) pelo seu não exercício, que é
a sua causa eficiente, mantendo-se em passividade antes da violação que sofreu
em seu direito, deixando que ele permaneça.
(3) Continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo.
(4) Ausência de algum facto ou acto a que a lei confere eficácia suspensiva ou
interruptiva de curso prescricional, que é o seu factor neutralizante (veremos
adiante).
Assim, procedendo desta
forma teremos a Prescrição.
1.3 Espécies de
prescrições:
As
prescrições podem ser: extintiva, aquisitiva, intercorrente, ordinária e
especial.
1- Extintiva - Será extintiva quando a pessoa perde a
pretensão ao direito sobre um bem.
2- Aquisitiva- Ocorre a aquisitiva pela não manifestação
de outrem pelo seu direito, tendo como consequência novo titular original do
bem. Exemplo: A usucapião.
3- Intercorrente - É a prescrição extintiva que ocorre no
decurso do processo, ou seja, já tendo o autor provocado a tutela jurisdicional
por meio da acção.
4- Ordinária - É aquela prescrição cujo prazo é
genericamente previsto em lei.
5- Especial - São aqueles prazos prescricionais
pontualmente previstos no Código.
Normas gerais sobre a
prescrição:
Quem pode beneficiar
e renunciar?
Com
base os artigos 301º e 302º do C.C., todos
podem tirar benefício da prescrição bem como os incapazes. Além disso,
poderá renuncia- la desde que consumado o prazo da prescrição.
Exemplo: Uma pessoa deve uma
dívida prescrita (devedor - beneficiário), mas mesmo assim depois de algum
tempo ela vai ao credor e resolve pagar a dívida (prescrevendo o prazo de
pagamento da dívida é admitida a renúncia).
Quem pode invocar a
prescrição?
A
prescrição apenas deve ser invocada por todos aqueles que tiram benefício dela
por via judicial ou extrajudicial; assim, em nenhum momento o tribunal pode
supri-la (artigo 303º C.C.).
Exemplo: o juíz descobrindo que
o pagamento da dívida prescreveu, não deve este invocar. Aguardando que o
demandado (devedor) invoque.
OBS: Os
prazos da prescrição legal (ordinária) não podem ser alterados por acordo das
partes. (artigo 300º do C.C.).
1.4 AS CAUSAS DA
PRESCRIÇÃO
As
causas que fazem com que o prazo da prescrição não comece e nem ocorrre nas
situações que a lei determina são: as impeditivas, suspensivas e interruptivas
da prescrição. Porém, à luz do Ordenamento Jurídico Angolano não existe a causa
impeditiva. Assim sendo, abordaremos as duas últimas causas.
1.4.1 AS CAUSAS
SUSPENSIVAS:
As
causas suspensivas contam da seguinte forma: 0-1-2-3.....4-5-6-7....8-9-10-11. A
prescrição pára devido à suspensão e depois volta a contar de onde parou.
As
causas suspensivas classificam-se em causas bilaterais da suspensão; suspensão a
favor de militares e pessoas adstritas às forças militares; suspensão a favor de menores, interditos ou inabilitados
e, por fim, suspensão por
motivo de força maior ou dolo do obrigado.
a)
Causas bilaterais da suspensão (artigo 318º C.C.);
A
prescrição nesta causa não começa e nem ocorre.
Exemplo: A, depois de 3
anos sem ver o seu filho B, nega prestar alimentos a ele porque alega
que esse direito prescreveu.
b)
Suspensão
a favor de militares e pessoas adstritas às forças militares (artigo 319º
C.C.);
Esta causa suspensiva não começa e nem ocorre
contra militares em serviço, durante o tempo de guerra; bem como aqueles que estejam
vinculados às forças militares.
c) Suspensão a
favor de menores, interditos ou inabbilitados(artigo 320º C.C.);
Exemplo: Se alguém encontrar um
bem doado para um menor não pode converter o mesmo como sua propriedade, por
mais que passe 50 anos. Enquanto que não tiver o representante legal.
d)
Suspensão por motivo
de força maior ou dolo do obrigado(artigo 321º C.C.).
Nesta
causa suspende-se o tempo da prescrição
quando o titular de um direito estiver impedido de fazê-lo.
Exemplo: A, credor, percebendo-se
que a sua dívida estava a prescrever
decidiu cobrar imediatamente, mas não conseguiu cobrar porque
houve um terramoto (força maior) durante quatro meses. Ou ainda,
suponhamos que o credor descobriu que o devedor danificou (dolo do obrigado)
a sua viatura para que este não viesse
cobrá-lo e, consequentemente, benificiar-se da prescrição.
1.4.1 AS CAUSAS
INTERRUPTIVAS:
São as
causa que inutilizam a prescrição iniciada, pois o seu prazo recomeça a data do
acto que a interrompeu. A contagem interruptiva é da seguinte forma:
0-1-2-3...0-1-2-3-4... (obs.: Só reinicia a contagem uma vez).
CAPÍTULO 2 DECADÊNCIA
Decadência: é a perda efectiva de um direito potestativo pela falta de
seu exercício no prazo previsto em lei ou pelas vontades das partes.
Diferentemente
da prescrição a decadência põe fim ao direito. E está ligado
ao direito potestativo e não subjetivo.
Quando no referíamos sobre o direito potestativo, nos dizeres do Professor Cordeiro (2005) entende que é o “Poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica” [produzir efeitos jurídicos]. Acrestenta ainda a professora Prata (2008) que é o “direito que se caracteriza por seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando efeitos na esfera jurídica de outrem independentemente da vontade deste”.
Assim,
podemos tecer que confere ao seu titular o poder de provocar mudanças na esfera
jurídica de outrem sem depender da vontade deste colando-se tão somente num
estado de sujeição (não poderá fazer para impedir).
Exemplo: Aos proprietários B,
C e D, exigem a constituição de uma servidão de passagem ao proprietário A,
para terem acesso a via pública. – Quando isso acontece A vê a
diminuição da sua propriedade, isto é, nota mudanças na sua esfera jurídica que
não depende da sua vontade e que nada pode fazer para evitar (estado de
sujeição).
Outro exemplo, é o caso em que
a lei permite ao locatário renovar o prazo de arrendamento (artigo 1056º do
C.C.), assim, resta tão somente ao locador (senhório) sujeitar-se à vontade do
inquilino.
Desta
feita, o titular que tem o poder de provocar alterações na esfera jurídica de outrem,
deve fazê-lo dentro do prazo previsto em lei ou pelas vontades das partes sob
pena de caducar esse direito.
2.1 CLASSIFICAÇÃO
Decadência
legal: é aquela que tem origem na lei, como no
dispositivo do Código Civil e da Lei do Consumidor.
Exemplo: o comprador tendo
conhecimento do vício ou falta de qualidade da coisa, dispõe de 30 dias para
denunciar e 6 meses após à sua entrega (artigo 916º do C.C.).
Decadência
convencional: é aquela que tem origem nas vontades das
partes, estando prevista em contrato.
Exemplo: Aqueles prazos em que
as empresas colocam em seus produtos como respectivas garantias.( garantia de 2
anos, de 7 anos...)
2.2 FUNDAMENTOS DOS DOIS INSTITUTOS JURÍDICOS
A
doutrina aponta que a origem histórica de ambos os institutos foi a necessidade
de harmonia social, base do equilíbrio sobre qual assenta a ordem pública.
Mantendo-se inerte, o titular do direito a falta do seu dever de cooperação
social, prolongando um estado de incerteza.
Na
visão do professor Marquesi (2014, p. 9) citando Coelho afirma que: ``a
prescrição e decadência são institutos responsáveis pelo estado de segurança
jurídica na sociedade, não permitindo a viabilidade, razoabilidade e a
perpetuação das obrigações´´.
O
devedor de uma obrigação não pode permanecer eternamente à vontade do seu
credor. O mesmo se verifica na caducidade, em que «a pessoa num estado de
sujeição, caso não houvesse a extinção do direito o sujeito tornar-se-ia refém
da vontade do titular.
Com
isso, torna-se notável os fundamentos dos dois institutos em que, por um lado,
visa liberar o devedor à eterna sujeição a um credor; do outro lado,
propocionar a pacificação social – tutelam interesses privados e públicos -.
2.3 RELAÇÃO ENTRE OS
DOIS INSITTUTOS:
Tanto a
prescrição quanto a decadência buscam reprimir a inércia dos titulares dos
direitos e, assim, fixam prazos razoáveis para que esses direitos sejam
exercidos. Nota-se claramente que os efeitos jurídicos serão os mesmos –
impossibilidade de reivindicar um direito -.
Para o
Dr. Mariano (1944, p. 2018), descreve que «são institutos em questão, têm em
comum levar à morte de um direito pela inacção do titular, esgotado certo
tempo, que lei ou convenção prefixara». Acrescanta-se, também, «decorrido o
tempo predeterminado, quer pela lei, quer pelos interessados, os direitos não
podem exercitar-se, perdem a eficácia, extinguem-se, deixam de ser causa de
efeitos jurídicos».
Essa
relação tem relevância porque, embora a consequência seja igual, os efeitos e
implicações são diferentes. Os principais efeitos são: a prescrição (extingue o
direito de exigir) a decadência (perde o direito de exercer).
2.4 TRAÇOS
DIFERENCIADORES DE PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE:
Agora,
nos dedicaremos em traçar a distinção que existe entre estes dois institutos:
prescrição e decadência. A doutrina faz referência em dois factores de distinção,
a saber:
a) a natureza do direito
perdido: a prescrição vincula-se ao direito subjectivo
(faculdade de exigir de outrem a realização de uma ou mais prestação); na caducidade
está relacionado com o direito potestativo.
Relembramos as seguintes hipóteses:
- Se B, senhório, deve receber as rendas do inquílino, A, aquele
tem o direito de exigir que o inquílino
pague a renda (prestação de dare) quando não satisfaz voluntariamente, sob pena de perder esse direito subjectivo.
- Noutra realidade, D, proprietário de uma residência que não tem
acesso a via pública, porque a proprieddade do seu vizinho, R ,encravou-lhe,
neste caso este deve constituir uma servidão de passagem observando o prazo para
causar mudanças na esfera jurídica de R – senão perde o direito
potestativo.
b)
o início do prazo : o prazo
da prescrição tem o seu início a partir da violação do direito ou quando o
direito puder ser exercido (por exemplo, quando o inquílino deixa de pagar a
renda, viola o direito do senhório). Enquanto que na caducidade, em regra, a lei estabelece,
senão for o caso, a partir do momento em que o direito legalmente puder ser
exercido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão
referente ao estudo da prescrição e decadência é tão velha quanto os dois
velhos institutos de profundas raízes romanas - continua a desafiar a argúcia
dos juristas -. As dúvidas, a respeito
do assunto, são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos,
que, ao lado de autores que acentuam a complexidade da matéria, outros, mais
pessimistas, chegam até a negar - é certo que com indiscutível exagero - a
existência de qualquer diferença entre as duas principais espécies de efeitos
do tempo sobre as relações jurídicas.
Assim,
lançamos o desafio para próximas pesquisa referente ao tema a fim de
contribuirmos para a indenpendência intelectual do Direito Angolano.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
VIGNOLI, Eduardo Torres. A Obra:
O Tempo Do Direito, De François Ost: Um Dialogo Entre O Tempo E O Direito –Disponivel
em: sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/300407.pdf
CORDEIRO,
Menezes. Tratado de Direito Civil
Português, vol. I, Tomo I, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005
Ana
Prata, Dicionário Jurídico,
Vol. I, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2008
MARQUES,
António Vicente. Código Civil Angolano, Texto Editores, Luanda, 2005
MARQUESI, Roberto Wagner. Prescrição
E Decadência: Traços Distintivos E Aspectos Controvertidos No Código Civil. Disponível em: file:///C:/Users/Lenovo%20PC/Documents/Artigos%20Academicos%20Direito/Marquesi_Prescrição_e_Decadência.pdf
MARIANO, Manuel Lontro. Matéria
de Prescrição e Caducidade – relatório apresentado ao instituto da Conferência
da Ordem dos Advogados, em 17 de
Junho, Coimbra, 1944
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