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UM OLHAR AO PRINCÍPIO DA PRECEDÊNCIA OBRIGATÓRIA NO PROCESSO LABORAL

Opinião
Se nos atermos ao termo “precedência” rapidamente consegue-se entender que ela pode apresentar vários significados, tal como primazia, antecedência ou ainda preferência. Por processo entende-se, o conjunto de actos sucessivos com vista a um determinado fim.

Em sede de processo laboral fala-se muito em princípio da precedência obrigatória nos casos em que haja um conflito entre a entidade empregadora e o trabalhador, ou melhor, nas situações em que há um conflito laboral.

Ora, o legislador ordinário, consagrou, por sua vez, na actual Lei Geral do Trabalho (Lei n.º 7/15 de 15 junho) no seu capítulo XIV, nos artigos 273º (Modalidades de resolução de conflitos) e 274º (Princípio da Precedência obrigatória). Importa lembrar que tal princípio em sede da antiga Lei Geral do Trabalho (Lei n 2/00, de 11 de Fevereiro), já era estudado no âmbito da conciliação (secção lll art.º 307 e ss) o que nos permite ver que não é uma discusão recente.

Entretanto, o art.º 274, da presente LGT, estabelece que em caso de qualquer conflito laboral, ficam estritamente obrigados, os trabalhadores, a lançar mão a um dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos que constam do nº 1 do art.º 273, da LGT, nomeadamente a mediação, arbitragem ou conciliação, muito antes de recorrerem aos tribunais.
É importante destacar para  melhor entendimento desta temática, alguns conceitos comparativamente aos meios supra citados. A mediação, como meio não judicial, implica restabelecer o diálogo entre as partes envolvidas (empregador vs. Trabalhador) interferindo pouco nas soluções e mais na aproximação destes. Do outro lado, temos a concilição, é quando o conciliador ainda sugere e apresenta soluções para as partes no âmbito de um conflito entre estes.  Ao passo que, na arbitragem, o árbitro diferente dos dois, decide, resolve o conflito, actuando como juiz privado.

Imaginemos a seguinte hipótese prática quando não se observa a precedência obrigatória:

A empresa Y, LDA despede João, este inconformado, e tendo todo direito de o estar, intenta uma acção de impugnação daquele despedimento, porque entende ser sem justa causa, o Tribunal por si só, munido dos seus princípios, tarefas e atribuições indefere liminarmente (art.º 474, 477 CPC) declarando inobservância do disposto no n º 1 do art.º 274 da actual LGT.

Do caso supra mencionado, fica-nos a ideia de que João antes de recorrer ao tribunal deveria obrigatoriamente tentar a uma negociação por via de uma mediação, conciliação ou arbitragem. Só para termos uma mínima noção da problemática do princípio da precedência obrigatória no âmbito do processo laboral. 

A grande questão que se coloca é de saber se este princípio viola ou não o acesso directo aos tribunais e consequentemente a tutela jurisdicional efectiva?
Fazendo uma análise da temática do ponto de vista académico, e não necessariamente do ponto de vista prático, nos termos do art.º 174 da CRA (Constituição da República de Angola, vigente) os tribunais são órgãos de soberania, por excelência, com a incumbência de Administrar a Justiça em nome do povo e de todos, são órgãos preferenciais para resolver os conflitos, seja eles de que ordem forem.

Compreende-se que o procedimento prévio obrigatório a propositura da acção disposto no art.º 274 da LGT, choca com o direito de acesso aos tribunais, enquanto dimensão do princípio de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva estabelecido no art.º29 da CRA.

Entende-se, talvez, que o legislador ao estabelecer a obrigatoriedade deste princípio, pretendera salvaguardar outros princípios norteadores do processo laboral mormente, o princípio da hipervalorização do acto conciliatório, outrora estabelecido na LGT anterior, visando a paz social, e o princípio da celeridade processual.

Não obstante a isso, está patente que essas modalidades de resolução de conflitos existam para livrar os nossos tribunais da maré e o empilho de processos que existe, todavia penso ser imperioso olhar para a tutela jurisdicional efectiva como um direito fundamental, de aplicação directa e imediata, logo, não pode uma lei infra-constitucional limitar à sua concretização e aplicabilidade, quando assim acontece estamos diante de uma inconstitucionalidade, uma clara ofensa ao disposto no art.º 29 da CRA.

E mais, tal situação também ocorre em processos administrativos, em que, o legislador consagrou no art.º 12 da lei 2/94 de 14 de janeiro (lei da impugnação dos actos administrativos) a precedência obrigatória, e no art.º 9 do mesmo diploma consagrou os meios de impugnação dos actos administrativos, nomeadamente a reclamação, recurso hierárquico e recurso contencioso, tornando obrigatório esgotar as garantias administrativas ou graciosas (reclamação e recurso hierárquico) e só depois atacar as jurisdicionais (recurso contencioso).

Recomendações :
O que se está a discutir aqui não é a existência desses meios extrajudiciais, honestamente, são meios necessários, são meios facilitadores, o que se discute é a obrigatoriedade destes, não parece correcto que o trabalhador lesado não possa ver a sua acção em juízo sem que esgote primeiramente estes meios, a norma acaba por limitar e contrariar aquilo que é o espírito do art.º 29 da CRA revelando-se inconstitucional. Logo, recomenda-se que o mais correcto e benéfico seria o legislador consagrar a facultatividade da norma, pois a sua obrigatoriedade transmite-nos a ideia de condição sine qua non para o acesso directo aos tribunais.

Sobre o Autor:
Adailson Fernando
Licenciado em Direito pelo Instituto Superior Politécnico Metropolitano de Angola





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