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O Costume como fonte de direito em Angola

O COSTUME É OU NÃO É FONTE  DO DIREITO IMEDIATA NA REPÚBLICA DE ANGOLA?



Realizado por: Onésmo Amarildo Afonso Victor*



fonte: Jornal Cultura Sapo Angola
SUMÁRIO: 1 As Fontes Do Direito; 1.1 O Que É O Costume?; 1.2 A Evolução E O Problema Do Costume; 2 O Costume Como Fonte Do Direito Imediata Na República De Angola; 3 As Críticas Sobre O Modelo Constitucional De Reconhecimento Do Costume Em Angola; 4 A Impotância Do Costume.

RESUMO: O presente artigo visa descobrir se o costume constitui ou não fonte do direito imediata na República de Angola. Para conseguirmos alcançar o objectivo do nosso estudo recorremos a pesquisa bibliográficas (livros, revistas, etc.) buscando especialistas na matéria para enriquecermos a nossa pesquisa. Os resultados desse artigo é reunido agora e contém os principais argumentos que sustentará o desenvolvimento da nossa pesquisa.

 PALAVRA-CHAVE: Costume; Fonte do Direito; República de Angola. 

ABREVIATURAS: CC: Código Civil; CRA: Constituição República de Angola


 INTRODUÇÃO

Neste artigo abordaremos sobre o equadramento do costume no sistema jurídico angolano. Pretendemos descobrir se o costume constitui fonte do Direito directa ou imediata no sistema jurídico angolano. Com as enormes dificuldades de aplicação das leis devido as tradições angolanas é hora de olharmos para o costume de uma outra maneira e dá-lo o prestígio que merece. Sendo assim, queremos dar o nosso contributo quanto a essa questão. Não procuramos descrever todos os costumes existentes em Angola para descobrirmos se realmente podem ser fontes de direito imediata, mas sim de uma forma superficial e convicta para desenvolvermos o nosso estudo.


 1 AS FONTES DO DIREITO 

Quando falamos sobre as fontes do Direito nos referimos sobre o modo de criação e formação das regras jurídicas. A doutrina apresenta cinco acepções técnico-jurídica: a lei; o costume; a jurisprudência; os usos; e a doutrina. Das quais o que nos interessa é o costume. Saber se constitui uma fonte do Direito mediata ou imediata na República de Angola. Antes disso, para melhor compreensão passaremos a conceituá-lo. 

 1.1 O Que É O Costume? 

 A doutrina é unânime e rica relativamente ao conceito de costume. Assim, começamos com as ideias da professora Ana Prata (2012, p. 405) que na sua visão o ``Costume são regras não ditada em forma de comando pelos poderes públicos, mas resultantes de um uso geral e prolongado e da existência da generalizada convicção da conformidade dessa prática com o Direito´´. 

 Partilha-se das ideias de Oliveira Ascensão (DA SILVA 2015, p. 38), quando define ``o Costume (...) como uma prática social, reiterada, uniforme e constante, seguida com convicção da sua obrigatoriedade´´. 

No nosso entendimento, são todas as condutas frequentes, habituais e concientemente obrigatórias de uma comunidade ou grupo social. Dito de outro modo, nasce de um hábito constante num grupo social e, ao longo do tempo, torna-se obrigatória. 

Como podemos verificar, as definições mencionadas repetiam-se expressões como: (i)prática reiterada e habitual com certa duração; (ii)convicção de obrigatoriedade. A primeira expressão refere-se ao elemento material (corpus); a segunda refere-se ao elemento psicológico (animus). Estas constituem os dois elementos fundamentais para a verificação da existência de um costume. 

 Assim, na eventualidade dessa prática não ser reiterada e constante estaremos em presença de uma simples atitudes ou comportamentos socias, como veremos no exemplo a seguir. E caso a prática for reteirada e constante, todavia não revestida de consciência obrigatória, estaremos no campo dos usos sociais. 

Por exemplo: quando pretendemos fazer operações bancárias ou irmos ao multicaixa devemos cumprir uma fila (convição obrigatória), mas não é uma prática reteirada e habitual porque podemos fazê-lo em casa a partir dos nossos computadores ou telemóvel com a internet (falta a prática reiterada e habitual). 

1.2 A EVOLUÇÃO E O PROBLEMA DO COSTUME 

O costume é a essência dos direitos primitivos e representava, ab initio, a base dos Direitos Romanos. Nesta época, o direito antigo apegava-se ao costume por causa da fraca função legislativa ou da produção de leis escritas (DA SILVA, 2015). 

Note-se que o costume era a fonte de direito primordial, porém, a partir do século XVIII, foi perdendo este prestígio por várias razões; uma delas e mais patente foi o surgimento da Lei da Boa Razão (de Marquês Pumbal, 18.08.1769) que condicionou à sua relevância exigindo que: (i) fosse conforme a boa razão; (ii) não contrariasse as leis; (iii) tivesse mais de 100 anos. Uma outra razão da queda do seu prestígio foi quanto ao aparecimento das codificações. 

Apesar de tudo, há países que o direito costumeiro possui um grande papel como fonte de direito, a título de exemplo a Inglaterra. 

Segundo Washington Monteiro (DA SILVA, 2015, p.39) descreve que ``o costume perde paulatinamente a sua importância; mas (...) continua a brotar da conciência jurídica popular, como inicial manifestação do direito, facto fortemente patente nas sociedades africanas´´.

Nos ensinamentos de Marcelo Rebelo de Sousa (DA SILVA 2015, p. 40), entende ``(...) costume como uma verdadeira fonte de direito (...) nem todo direito é escrito e que ao lado do direito estadual existe um direito estadual não escrito, o costumeiro ou direito consuetudinário. (...) sem necessidade de intervenções do poder político estadual´´.

Tal como vimos, ao passar do tempo, o costume deixou de ter grande importância como fonte de direito devido aos avanços e necessidades da vida moderna. 

Com isso, o costume começou por apresentar grandes problemas e vendo-se substituída pela Lei. Segundo Pire de Lima e Antunes Varela (ROCHA, 2015, p. 190) apontam alguns problemas do costume, a saber: 
                     1º. quanto ao conteúdo, o costume começa por ser impreciso. O julgador tinha dificuldades de aplicá-lo em certas relações socias em cada região. 
         
                            2º. quanto a sua existência, o costume levantava grandes dificuldades. Era dificil apurar uma prática bem determida e que se se resvestia ou não a consistência ou duração necessárias para a constituição de um perceito consuetudinário; e 

                            3º. quanto a sua essência, o costume tem como fundamento local. Uma vez que as pessoas de diferentes regiões relacionavam-se, permitiam os surgimentos de vários direitos consuetudinários.


 2 O COSTUME COMO FONTE DO DIREITO IMEDIATA NA REPÚBLICA DE ANGOLA 

No actual Código Civil Angolano que vigora desde 1966, o legislador ignorou o costume no âmbito da elaboração sistemática das fontes de direito plasmados nos primeiros artigos do Código Civil (artigo 1º a 4º). É evidente que oculta a força normativa autónoma e é sabido que esse código é uma herança colonial. Transmiti-nos que apenas a lei é fonte de direito. 

Segundo Carlos da Silva (2015, p.49) entende que esta postura `` o Estado assume um monopólio formal e oficial da criação da normatividade, (...) assente na falsa ideia de que todo Direito se reduz ao direito estadual e de que tudo que está fora do quadro da lei é um não-Direito´´. 

Perfilando a mesma ideia, Ana Prata (2012, p.405) acrescenta que`` as disposições do artigo 3º do C.C., em nada revelam para a solução da questão, (...) esta norma se refere aos usos , que não se confundem com o costume. O uso caracteriza-se apenas pela prática reteirada, não havendo qualquer convicção da juridicidade dela, nem dos sujeitos que a seguem nem das autoridades encarregadas da aplicação do direito. 

Outra situação que encontramos no nosso ordenamento jurídico é relativamente a duração da prática que sustenta o elemento material do costume – corpus -. Não contém nehuma norma que regulamenta a validade do costume quanto a duração da prática social (ROCHA, 2015). Apesar de que o artigo 1400º, nº1 C.C., estabelece relevância ao costume ``seguido há mais de vinte anos´´ assinala-se que esta não é de grande relavância porque se trata de um regime muito restrito (...), por outro lado, é que estamos perante indicação legal, facto que não pode ser decisivo para o carácter normativo do costume (PRATA, 2012). 

Assim sendo, é remetido a cuidadosa apreciação do juiz para averiguar e decidir se a prática invocada em juízo, como verdadeiro costume, possui ou não a consistência necessária para ser considerado como tal. 

Por exemplo, o artigo 348º, nº1 do C.C., última parte: àquele que invocar direito cosuetudinário,(...) compete fazer a prova da sua existência e conteúdo, mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.

 Com a entrada em vigor da Constituição da República de Angola em 2010, o seu artigo 7º consagra o reconhecimento jurídico-constitucional do costume. Além disso, nos artigos 223º; 224º; e 225º reconhece o estatuto, o papel e as instituições do poder tradicional constituídas de acordo com o direito consuetudinário e que não contrariam a Constituição (DA SILVA, 2015).

Neste diapazão, é reconhecida em Angola o princípio do pluralismo jurídico. Implica dizer que em caso de conflitos pode-se aplicar as regras do direito consuetudinário para a resolução da mesma. Na visão de Raul Araújo (DA SILVA, 2015, p.50) determina que ``(...) a Lei fundamental de Angola reconhece, pela primeira vez, a existência de facto e de Direito, do princípio do pluralismo jurídico (...)´´. 

Para Carlos Burity B. da Silva (2015, p.50), face a esta consagração ``(...) doravante a Lei deixou de ser considerada a única fonte directa e imediata de direito no ordenamento jurídico angolano, pois o costume passa a ter, igualmente, a mesma dignidade jurídica como meio idóneo de criação do direito´´. Segundo Carlos Feijó (DA SILVA, 2015, p. 50) acrescenta que ``trata-se de uma verdadeira confirmação de novo lugar jurídico para o costume´´. 

Passaremos a analisar o conteúdo do artigo 7º da CRA, que tem como epígrafe ``Costume´´estabelece que: «É reconhecida a validade e a força jurídica do costume que não seja contrário à Constituição nem atente contra à dignidade da pessoa humana». Este artigo podemos dividi-lo em três partes: 

Na primeira parte refere-se a validade e a força jurídica do costume são reconhecida pelo Estado. Em outras palavras, o costume e as intituições tradicionias são protegidas pelo Estado, isto é, tutela jurisdicional. Por exemplo é proibido fazer publicidade insultuosa sobre uma instituição tradicional. Assim, implica dizer que lhe são conferidos direitos e deveres e que estes têm direito ao acesso à justiça em caso de violação dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

A segunda parte é a conformidade do costume com a Constituição e com a dignidade da pessoa humana. 

Na teceira parte, que surge da anterior, é que o reconhecimento da validade do costume é condicionado se não contrariar à Constituição e não atentar contra a dignidade da pessoa humana. 

Face ao exposto, nota-se claramente que o costume, assim como a lei, passa a ser uma fonte imediata de direito na República de Angola. O costume e a lei estão no mesmo pé de igualdade nenhum deles é supeior ou inferior ao outro. Devem simplesmente obediência à Constituição e a dignidade da pessoa humana. 


3 AS CRÍTICAS SOBRE O MODELO CONSTITUCIONAL DE RECONHECIMENTO DO COSTUME EM ANGOLA 

Não se pode pensar que pelo facto da Constituição reconhecer o pluralismo jurídico não esteja longe das críticas doutrinárias. Elas questionam as seguintes situações: 
  •  Como reconhecer se dificilmente são identificados e conhecidos detalhadamente todos os costumes das tribos e etnias do país? 
  •  A lacuna existente quanto a identificação dos diversos costumes é de natureza a gerar a insegurança jurídica na aplicação das regras costumeiras, ou ainda, sugir casos de arbitrariedade na aplicação da referida norma. 
  •  A lei e o costume estando no mesmo pé de igualdade abre campo de incerteza quanto à norma aplicável em caso de letígio.
  •  O pluralismo jurídico indicia a aplicação de normas jurídicas diferentes aos cidadãos de um mesmo país. Violando, assim, o princípio da igualdade. 

 Para J. Texeira Martins (DIAMVUTU, 2016, p.41) defende que o costume é uma fonte idónea para a criação de normas jurídicas viradas para a conservação e manuntenção de um statu quo mas não para a promoção de relações sociais novas e por isso é que se afirma abertamente o primado da lei como fonte de direito. Por outra, ainda pode existir dúvidas sobre o que se deve considerar atentado ou não a dignidade da pessoa humana. Será que o próprio instituto do ``alembamento´´ amplamente aceite na sociedade angolana, é ou não contrário à dignidade humana (da mulher), da forma que é praticado por algumas famílias ou tribos no nosso país na medida em que os valores e bens exigidos ao noivo tendem a descaracterizar tal instituto e reduzir a mulher a uma espécie de ``mercadoria para vender´´?  

Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes (DIAMVUTU, 2016, p.41) alertam que um dos problemas que irão levantar-se é o da aplicação das regras costumeiras sempre que elas ponham em causa o princípio da dignidade da pessoa humana. Visto que um dos fundamentos do Estado constitucional é o pricípio da igualdade no quadro dos direitos, liberdades e garantias. E é nesta senda que mais se potencializam os conflitos porquanto muitas das regras costumeiras consagram o princípio da subordinação feminina à masculina. 


4 A IMPORTÂNCIA DO COSTUME

O costume não pode ser ignorado devido à sua relevância dentro de uma comunidade ou sociedade em geral. De seguida, citaremos três aspectos importantes do costume segundo o professor Carlos B. Burity Da Silva, a saber: 
                                       1) Por representarem já uma componente fundamental da cultura do povo: a prática destes actos altera completamente a ordem social e mobiliza toda a sociedade (v.g. Polícia Nacional). Por exemplo: o carnaval, festa da ilha de Luanda, festas da Senhora do Monte (na cidade do Lubango); 

                                           2) Por conterem valores que revelam de formas comunitárias de vida e que, devidamente enquadradas, podem constituir componentes interessantes na construção da sociedade angolana; ajuda na regulamentação das leis, uma vez que boa parte das leis são oriundas de Portugal sem dar atenção aos hábitos, costumes e as tradições angolanas. Consequentemente, torna-se díficil aplicação de alguns intitutos jurídicos (por exmplo, os critérios legais e os critérios tradicionais para a sucessão mortis causa, a visão legal e tradicional sobre o conceito de família, casamento, poligamia e adultério); 

                                   3) Por representarem em muitos casos, formas do povo compor entre si questões socialmente relevantes sem recorrerem aos órgãos administativos e judiciais do Estado; colaborando na resolução dos conflitos sem a intervenção dos órgãos estatais. Dando aos litigantes menor carga do que a justiça formal possa lhes submeter.


 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Desta feita, concluímos que com a consagração constitucional do costume tornou-se fonte do Direito imediata na Répública de Angola, concedendo-lhe validade e força jurídica quanto ao reconhecimento desde que obedeça à Constituição e a dignidade da pessoa humana. O costume passou a coabitar com a lei; sendo reconhecida e merecendo o mesmo pretígio e valor no nosso sistema jurídico. Apesar das críticas que nela recai sobre o modelo de reconhecimento lançamos o desafio para futuras investigações em prol do desenvolvimento da sociedade angolana. 

Obrigado pela sua visita!

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 

DA SILVA, Carlos Alberto B. Burity Teoria Geral do Direito Civil, , 2ª ed revista e actualizada., Luanda: Ed. FDUAN, 2015 

ROCHA, Isabel (coord) Introdução ao Direito, Luanda,: Porto Editora, 2015

PRATA, Ana Dicionário Jurídico, 5º ed., Coimbra: Editora Almedina, 2012 

DIAMVUTU, Lino. Quo vadis costume em Angola?. Opinião, Luanda, p. 40-41 


Luanda, aos 22 de Julho de 2018 



 Onésimo Amarildo Afonso Victor*. Estudante de Direito – IMETRO DE ANGOLA
- Email: Oneivc1996@hotmail.com

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